[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

quinta-feira, 25 de março de 2010

[0035.] ANA DE CASTRO OSÓRIO [VIII] || 1872 - 1935

* ANA DE CASTRO OSÓRIO *
[18/06/1872 - 23/03/1935]

[Álbum Republicano || 1908]

Morre, em Lisboa, Ana de Castro Osório.

Escritora, editora, pedagoga, publicista, republicana e feminista, nasceu em Mangualde, em 18 de Junho de 1872, e faleceu em Lisboa, em 23 de Março de 1935, com 62 anos de idade. 

Marcou as primeiras três décadas do século XX, fruto duma ininterrupta e intensa actividade literária, cívica, política e feminista.

Filha do juiz e bibliófilo João Baptista de Castro e de Mariana Osório de Castro Cabral e Albuquerque, Ana de Castro Osório foi influenciada pelo ambiente cultural, histórico e socioeconómico em que cresceu, tratando-se duma família que cultivava os laços entre os seus membros e onde se discutiam as questões de forma aberta e frontal, como prova a correspondência trocada entre todos durante dezenas de anos.

Acompanhando os pais, passou a residir em Setúbal em 1895, cidade onde assumiu a condição de escritora quando tinha 23 anos e casou, em 10 de Março de 1898, na Igreja de Nossa Senhora da Anunciada, com o poeta e republicano Francisco Paulino Gomes de Oliveira [22/06/1864-13/03/1914]. 

Do enlace, nasceram João de Castro Osório e Oliveira [1899-1970], que desde muito novo revelou vocação para as letras, destacou-se como doutrinador político conservador na década de 20, e José Osório de Castro e Oliveira [27/08/1900-1964], escritor que casou com a cantora lírica Raquel Bastos. Embora filhos de destacados republicanos, ambos estiveram associados ao Manifesto Nacionalista de 1919 e, em 1922, João de Castro Osório publicou A Revolução Nacionalista.

O interesse literário de Ana de Castro Osório intensificou-se com o convívio quotidiano de alguém com quem partilhava os mesmos interesses culturais e colaborou com o marido em diversas iniciativas e negócios. O ambiente familiar tornou-se propício à actividade intelectual e, por isso, lutou para que as outras mulheres usufruíssem das mesmas condições, fruto de uma educação privilegiada para a época, pugnando, tanto nos escritos, como na intervenção associativa, pela emancipação social e económica das mulheres. Escreveu muito. Publicou e distribuiu gratuitamente centenas de exemplares dos folhetos genericamente intitulados A Bem da Pátria, nomeadamente As mães devem amamentar seus filhos e A educação da criança pela mãe.

Identificada como uma das fundadoras da literatura infantil em Portugal, e por não ter encontrado editor, publicou-a à sua custa mediante a criação da Casa Editora Para as Crianças: responsabilizou-se por todos os encargos editoriais e assumiu as tarefas relacionadas com a venda e distribuição dos contos e histórias para os mais pequenos. Posteriormente, fundou as Edições Lusitânia. Diversos livros seus foram adoptados como manuais escolares, quer em Portugal, como em estados do Brasil: A Minha Pátria (1906); Viagens Aventurosas de Felício e Felizarda ao Brasil.

Fundadora da Escola Liberal de Setúbal e maçon desde 1907, integrando a Loja Humanidade, Ana de Castro Osório foi igualmente uma das impulsionadoras do associativismo feminista, ao promover, em meia dúzia de anos, a criação do Grupo Português de Estudos Feministas (1907), da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas (1908) e da Associação de Propaganda Feminista (1911). Com o deflagrar da I Guerra, criou a Comissão Feminina Pela Pátria (1914), destinada a trabalhar a favor dos soldados mobilizados e suas famílias; fundou a loja maçónica feminina Carolina Ângelo (1915); e organizou a Cruzada das Mulheres Portuguesas, iniciativa de Elzira Dantas Machado (1916). Na batalha pela implantação da República, escreveu amiudadamente na imprensa diária, proferiu conferências, participou em comícios e secretariou eventos e sessões solenes. Empenhou-se, em 1909 e 1910, na obtenção da Lei do Divórcio e terá sido consultada por Afonso Costa quando este a concretizou em 3 de Novembro de 1910.

Em 1911, aquando da nomeação de Paulino de Oliveira como Cônsul de Portugal em São Paulo, passou a residir no Brasil, onde se manteve até à morte do marido, em 13 de Março de 1914, vitimado pela tuberculose. Aí manteve-se intransigente defensora da República, o que originou polémicas com membros da comunidade portuguesa, continuou empenhada na divulgação dos ideais feministas, bem como da sua literatura, e participou, com o esposo, no Congresso de Instrução Pública de Belo Horizonte.

De regresso a Portugal, fixou residência em Lisboa, no prédio onde vivia a família, na Rua do Arco do Limoeiro, que rapidamente se transformou na sede das actividades desenvolvidas por Ana de Castro Osório enquanto feminista, escritora e activista da Cruzada das Mulheres Portuguesas. Aliás, revelou-se, desde 1914, uma convicta defensora da intervenção de Portugal no conflito mundial: escreveu amiudadamente sobre ele e procurou reunir a elite feminina de todo o país em torno desse desígnio patriótico.

O carisma e relevância intelectual levaram a que fosse escolhida como delegada da Câmara Municipal de Cuba ao Congresso Municipalista de Évora (1915), onde apresentou a Tese “A Mulher na Agricultura, nas Indústrias Regionais e na Administração Municipal”.

No ano seguinte, foi nomeada pelo Ministro do Trabalho, António Maria da Silva, Subinspectora dos Trabalhos Técnicos Feminino, único desempenho que se lhe conhece atribuído pelos governos republicanos: apesar de ter sido contestada pela associação de classe das costureiras, numa polémica em torno da aplicação da legislação sobre os serões, aproveitou para incentivar as pequenas indústrias caseiras e regionais de rendas, tapetes e doces.

Recusou ser condecorada com a Ordem de Santiago, atribuída pelo governo da República em 1919, mas aceitaria, já durante o Estado Novo, ser condecorada com a Ordem de Mérito Agrícola e Industrial. A década de vinte é sobretudo marcada pela sua vontade de se afirmar como escritora reconhecida a nível nacional e no Brasil, regressando a este país em 1922 para proferir uma série de conferências no Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul. Reuniu-as em 1924 no livro A Grande Aliança, título demonstrativo do sonho antigo de concretizar a aproximação cultural entre os dois países separados pelo Atlântico.

Deixou centenas de artigos espalhados pela imprensa de todo o país e chegou a acalentar o desejo de se tornar numa colaboradora paga dum grande jornal diário, tendo-o confidenciado a seu pai no início do século XX. Colaborou em dezenas de periódicos.

Quando faleceu, morava na Rua Augusto Rosa, 17, 2.º, onde alternava com a residência do Estoril. 

Enterrada no jazigo de família, no cemitério do Alto de S. João, associaram-se à última homenagem personalidades políticas do regime; militares (general Ferreira Martins, comandante Jaime Athias, general Luís Domingues, tenente-coronel Marcelino Afonso, capitão Osvaldo de Andrade, general Vieira da Rocha); intelectuais; homens de letras (Aquilino Ribeiro, Carlos Lemos, viúvo da feminista Beatriz Pinheiro de Lemos, Fernando Pessoa, Hernâni Cidade, João de Barros), das artes e da ciência; assim como antigas companheiras dos combates feministas, das lides jornalísticas e do mundo da escrita e das tertúlias. Entre estas, destacavam-se Albertina Paraíso, Amélia Teixeira, dinamizadora da revista Portugal Feminino, Beatriz Arnaut, poetisa e activista do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, Eduarda Lapa, Elmana Trigo de Brito, professora de música e companheira na Liga e na Associação de Propaganda Feminista, Emília de Sousa Costa, Fernanda de Castro, Maria Pereira de Eça, Maria Veleda, Regina Quintanilha, a primeira advogada portuguesa, Teresa Leitão de Barros, então escritora destacada e dirigente do CNMP, e Virgínia Quaresma, a primeira jornalista profissional portuguesa, que tinha colaborado estreitamente com a falecida na Sociedade Futura e na Liga Republicana das Mulheres Portuguesas.

Participaram igualmente representantes da Cruzada das Mulheres Portuguesas e da Liga dos Combatentes da Grande Guerra – aliás, o papel desenvolvido pela escritora durante o conflito mundial que decorreu entre 1914 e 1918 foi reconhecido com a inauguração na sede desta última de um busto de Ana de Castro Osório

Dirigiu o funeral Hermínio do Nascimento e as palavras derradeiras couberam ao professor Simões Raposo e à advogada Regina Quintanilha, em nome da Cruzada das Mulheres Portuguesas.

Sobre a sua vertente enquanto escritora para crianças, educadora e pedagoga, ver a entrada do Dicionário de Educadores Portugueses, editado pela ASA (2003) sob a direcção de António Nóvoa.

[v. João Esteves, "Ana de Castro Osório", Dicionário no Feminino (séculos XIX-XX), Lisboa, Livros Horizonte, 2005, pp. 91-99]

[João Esteves]

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